29 janeiro 2015

Eu não mudei, amor


Apesar de você carregar um passado histórico nas costas, você não condiz com ele. Seu passado é encantador, assim como seus olhos semicerrados naturalmente e o contorno fino dos seus lábios. O ruim é o que você se tornou.

Se não fosse esse seu jeito desleixado, eu olharia para você e assumiria sua postura de príncipe encantado. A verdade é que não é nada disso, você está mais para o mocinho ambicioso que virou vilão. Nada mais é suficiente para você. Ninguém mais é digno de um sentimento tão belo como o seu amor. Por que você infla seu ego tanto assim? Você não é diferente dos demais. A sua rotina é igual, sem muita agitação. Seu tipo físico não chega nem perto de algum deus grego. Esse seu cabelo jogado para o alto meio pendente para a esquerda e sua sobrancelha arqueada com pelos perdidos ao redor não te fazem um galã de novela. Seus braços cruzados e um olhar meio horizonte com a boca num sorriso meio torto não te fazem dono do céu e da terra. Essa sua pose de durão de nada vale, na verdade, de durão você não tem nada.

Admite logo que vez ou outra a sua vontade é de trocar a cerveja com os amigos por um sorvete de casquinha com alguém especial. Admite, Amor, que além de bunda e peito, você repara no sorriso, no cabelo e no formato das unhas das mãos. Pode parecer meio estranho, mas eu sei muita coisa sobre você. Sei, por exemplo, que sua bebida preferida nunca foi Whisky, mas sim Guaraná. Os seus coleguinhas babacas de festas não sabem disso, mas eu sei. Deve ser demais para você ter alguém que te conhece tanto. Tudo bem, eu entendo sua raiva e ignorância medíocre. O que eu não entendo é porque você continua conversando com pessoas que não valem a pena, só para ter um status. Ou que atura a presença de cigarro sendo que não suporta o cheiro que fica na sua roupa depois. Eu não entendo qual o sentido de beijar cinco bocas diferentes em uma noite para se sentir melhor. E também não entendo a graça que você vê nas caras de tapados das malditas influências que vivem com você. Eu não te entendo, Amor, mas juro que me esforço ao máximo para te aceitar.

Você carrega um fardo de defeitos insuportáveis e uma lábia com gírias indecifráveis em um tom de voz tão irreconhecível hoje em dia. Entretanto, o cheiro do seu perfume ainda está presente na memória, o desgraçado do aroma entre multidões consegue chegar até mim. O seu ar de superior e sua confiança em si mesmo me dão náuseas, mas a droga da lembrança dos seus abraços ainda me passam segurança. Talvez o que eu venha a dizer agora te deixe intrigado, porque no fundo você sabe que é verdade: você não passa de um fraco. Por mais que os seus lábios se abram num sorriso de canto a canto e que você consiga levantar um elefante com toda essa auto estima, você continua sendo um fraco. Estúpido. Ignorante. Babaca. Covarde. E mais outros milhões de adjetivos podres. Porque você pode fazer mil garotas caírem de amores aos seus pés, mas tem medo de se prender à apenas uma.

Se te perguntarem sobre o amor, você saberá responder? Acho que agora eu te coloquei num beco sem saída, não é, Amor? Por detrás de toda essa sua estrutura de homem-inabalável existe um garotinho que tem medo de amar. Eu sei disso também. O problema é que o seu orgulho te consome dos pés à cabeça e você não é capaz de dar o braço a torcer. A sua aparente falta de sensibilidade me irrita. Ninguém conseguiria suportar conviver no mesmo ambiente que o seu por três semanas, me conta se acontecer! Mas olhe para mim, eu suportei, suporto até hoje. Estou ao seu lado a quase três anos e você não dá valor para isso. Aliás, você não dá valor para nada, Isso também me irrita.

Você não permite que ninguém descubra o que se esconde além dessa nuvem cinzenta que te cerca, porque no fundo você tem medo da solidão. Tem medo de se entregar em um jogo no qual não é você quem dá as cartas, muito menos dita as regras. Você tem medo que alguém goste de você apesar de todos os pesares. E eu gosto. Eu gosto desse brinco brega que você colocou por charme. Dessa clavícula saltada tão ridícula quanto as falhas da sua barba e seus dedos do pé esquisitos. Você não merece, eu sei, mas isso não é motivo o suficiente para me fazer desgostar. Mesmo que você não se importe e até ria da minha cara. Mesmo que seja um filho-da-puta, enojado e popular à custa de uma personalidade que nem é sua. Ainda assim eu gosto de você. Na medida do impossível, tudo o que mais queria era atravessar para o seu lado do precipício e fazer com que a gente desse certo outra vez.

O problema é que eu não sei ser sua nova metade. 

Meu nome ainda é o mesmo e o RG não mudará. Continuo da mesma forma, no mesmo quarto vazio com livros empoeirados em cima de um piano calado. 

Eu não mudei, amor. Você é quem mudou.


- Gabrielle Roveda



3 comentários:

  1. Oi Gabi, tudo bem?
    Adorei o seu texto, você escreve muito bem!
    Dá para perceber o sentimento em cada palavra mencionada, deu para perceber que nada foi em vão. Eu passei por algo mais ou menos parecido em que a outra pessoa simplesmente muda.. Não vejo problema algum em mudar, isso é normal, porém algumas mudanças não são boas e acabam nos magoando por saber que a outra pessoa não é daquela forma. Enfim, eu acho que se ela quer mudar e não ser quem ela realmente é, o problema será dela... Afinal, você pode até perder essa pessoa, porém quem vai mais perder é ela!

    Beijos,
    http://leitoraonline.blogspot.com.br

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    Respostas
    1. Oi flor! Estou bem e você?
      Awn, obrigada mesmo, de coração!
      Concordo, acho que no fim quem sempre sai perdendo é aquele que finge uma vida para ter que agradar o mundo, afinal, somos melhores sendo quem nós somos. Sem fantasias, sem querer criar uma farsa aos outros. Pois um dia a máscara sempre cai.

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    2. Bem também!
      É verdade.. sempre cai mesmo. Pode demorar, mas esse dia chega..

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