13 julho 2023

FOI NO SILÊNCIO QUE TU ME GANHOU

Leia escutando Salt Water - Ed Sheeran
Foi no silêncio que tu me ganhou.
Em cada olhar disfarçado.
No canto da tua boca elevado num sorriso contido depois de constatar meus olhos a te procurar também.

Foi no silêncio que tu me ganhou.
Sinal por sinal. 
Nas vezes que distante teu corpo ansiava a procura do meu pelos cantos.
E na tensão crescente que fazia o clima mudar quando nossos corpos se aproximavam.
Na tua respiração que se igualava a minha e mudava o ritmo, acelerando involuntariamente.

Foi sem palavras que tu me ganhou. 
Com teu jeito sem jeito.
E o modo como estufa o peito enquanto ajeita a camiseta.
Com essa tua risada exagerada.
O olhar profundo.
E essa mania de molhar os lábios enquanto fala.
... E como é bonito te ouvir falar do que faz teu coração vibrar.
Teus olhos brilham ao dizer.
Os meus ao te escutar.

Foi no silêncio que tu me ganhou...
Naquele um segundo mais demorado do toque da tua mão na minha.
Na tensão crescente.
No teu modo insistente em se aproximar devagar.
Discreto.
Meio furtivo.
Como quem reluta em invadir meu espaço, mas não hesita em tentar.

E nos detalhes te faço presença.
Te deixo ser intimidade.
Conhecer as bordas do meu eu.
Me desvendar em olhares.
Inundar de ti meus pensamentos.
Roubar meu sono.
Visitar meus sonhos.
E se ocupar da minha arte.

Foi no silêncio que tu me ganhou...
No espaço vago eufórico de quem tem muito para dizer, mas não pode dizer nada.

E é no silêncio que pra ti, eu me entrego.

(Gabrielle Roveda)

09 julho 2023

TAL QUAL PLUTÃO

Leia escutando To Good At Goodbyes - Sam Smith

te faço poesia sem permissão alguma, perdão

te internalizo entre versos descontextualizados que só eu entendo

faço arte com a lembrança que carrego no peito da tua voz rouca e pincelo em aquarela planetas distantes com teu rosto num universo infinito o qual não alcanço 

retrato estrelas, constelações e detalhes minúcias que da tua imagem nunca consigo esquecer

teu sorriso de canto tal qual sol da via láctea, centro gravitacional que me atraí para ti

te construo galáxia no meu mundinho sem sal como se tu feito astronômico pudesse de fato me deixar orbitar

mas não orbito, seja por teimosia ou receio

não desacoplo desse eu distância que inventei de mim

sou feito astronauta, ando perdida em gravidade zero bem longe de casa

luto para retornar à estabilidade enquanto o alerta de oxigênio apita sem descansar entre uma tosse e outra

bip... bip... bip...

a garganta seca, os olhos marejados

encaro o horizonte através do capacete num lapso de suicídio mental querendo, na verdade, não partir dessa ilusão

o vidro desfocando pela fumaça tragada por pulmões desgastados, a paranoia constante se esvaindo em pensamentos interligados que já não fazem mais sentido

a chuva e o vento em redemoinhos dentro de mim marcando o êxtase das borboletas na tua ausência

me refaço planeta atmosférico e revivo outra vez

sobrevivo

aterrizo na minha sarcástica zona de conforto desconfortável

recorro ao mundo real, àquilo que desconheço e finjo entender 

aterro meus pés nesse chão caótico familiar demais 

estou em casa outra vez, mas não queria estar

a cama vazia, o pó acumulando nos livros, o cheiro de incenso de canela pairando no ar, o vidro embaçado enquanto o úmido da noite lentamente se transforma em mofo bem diante dos meus olhos

o mesmo quarto calado, o mesmo cárcere humano

sinto tua falta a aquecer meus pés gelados e talvez o coração

mas teu eu me é caminho longo, viagem interestelar

tal qual plutão

distante...

questionável...

talvez frio demais para poder existir

(Gabrielle Roveda)


01 julho 2023

CARTA ABERTA À MINHA ANSIEDADE

Leia escutando: Welcome To The Jungle - Guns N' Roses

Eu te tenho. Não como algo intrínseco.

Te tenho numa relação de posse, a qual eu muitas vezes não sou o lado dominante.

E quando estamos no ápice do nosso relacionamento eu perco a vez, minha vida se torna um longo espasmo incontrolável. Sou totalmente submissa a tua vontade insaciável de preencher um algo inventado que talvez, e provavelmente, não exista.

Fico a mercê do que tu inventa. Do teu universo de fantasias e possibilidades infinitas no qual não me encaixo, mas insisto em tentar pertencer.

Um universo teu que não faz sentido pra mim, mas se torna um ideal do qual luto com afinco sem nem saber os exatos porquês. 

É que tu me infiltra no teu oceano caótico enquano eu remo um barquinho de papel frágil ao mínimo golpe de uma gota.

No entanto, eu permaneço. Firme e forte tal qual um navio cargueiro. 

Como se entre elevações monstruosas precisasse sobreviver, como se um eu capitão tomasse conta de mim. 

Levantar âncora!

Encaro a chuva torrencial, os raios...

A escuridão... O céu e o mar unidos em tons de cinza...

Olho para os fantasmas que se formam entre o quebrar das ondas.

Revejo os danos a bombordo, as cicatrizes a estibordo.

Temo as suposições que batem de frente com a proa. 

Aconchego os medos que continuam aterrorizando a popa. 

Por quê? Não sei, talvez nunca saiba. 

Fico à deriva como um fantoche.

Te deixo fazer de mim o que tu quiser com um manto na parede da consciencia, como se o que tu me sussurra no ouvido fosse a única verdade do mundo. 

Embora eu saiba que não. 

Embora eu insista em te negar.

Tu me preenche por completo e depois vai embora. Deixa a catástofre de um furacão que surgiu com a mesma breviedade com que desapareceu.

O chão fica sujo, o rastro bagunçado...

E eu nunca sei por onde re-começar.

Nunca é do zero que eu parto, volto algumas casas, o início vem do negativo, do que antecede o zero.

É sempre um inferno quando te percebo me consumir e sumir assim.

Tu me deixa um vazio.

Um vazio que eu não consegui preencher. Que já nem quero mais ocupar.

Um estranho e desconcertante sei lá pra todas as perguntas sem respostas. 

É que tu se preenche em mim e de mim sobra sempre tão pouco.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...