Fechei os
olhos e reconstruí teu eu feito pedaços.
Ali, bem
diante das minhas pálpebras fechadas te relembrei inteiro.
Tu se fez presença em mim, no meu mundo paralelo de fantasias contraditórias.
Nesse inventário imaginado que por falta de coragem não materializo no mundo real, onde suprimo todas as milhões de expectativas que construo e desfaço para poder fazer morada num mundo irreal que me acalenta e conforta.
Tu me é distância e presença ao
mesmo tempo.
Eu te
imagino e recrio em vozes poéticas como se por consequência
de um grito emudecido pudesse te fazer estar comigo em qualquer noite de insônia.
Eu te transformo em poesia para não precisar expor que talvez eu te queira aqui para compartilhar bobagens que são perda
de tempo dentro de uma rotina um tanto frenética demais, enquanto tu me acaricia o cabelo e eu descanso no teu peito sem pressa pra partir.
Talvez eu te queira aqui para ouvir tua voz sem estrutura bem próxima ao meu ouvido, tua
risada gostosa a ocupar os ecos do cômodo, tuas mãos a deslizarem lentas pelas minhas costas, teu eu descompassado em compasso com o
meu.
Talvez eu te queira aqui apenas tempo o suficiente para poder traçar
tuas entrelinhas enquanto tu me conta uma bobagem aleatória que só faz sentido
na tua cabeça e eu sorrio fingindo entender, mas me mantenho hipnotizada
nas tuas linhas de expressão fazendo questão de gravar na memória cada detalhe para não ter chances de esquecer.
Talvez eu te queira aqui pra te descobrir entre erros e acertos, em pequenos defeitos que te tornam ainda mais atraente e surpreendem qualquer uma das minhas expectativas.
Talvez eu te queira aqui, mas tenha medo de me apaixonar e viva nessa inconstância de ir e vir sem pertencer.
Talvez, por sorte, em uma dessas idas e vindas, a gente, por fim, permaneça.
Perdão é que não sei dizer algo sem ser clichê, sem parecer ultrapassada, nessas frases desconexas e confusas que retratam um anseio que se cala por não saber falar, nem o que falar.
A verdade é que eu
te queria aqui, mas as palavras fogem ao tentar te dizer, enquanto insisto em viver num mundo inventado porque nele acredito que tenho
controle daquilo que crio e recrio.
Nele
é mais fácil lidar com o desconhecido sem parecer estranha,
nele eu te invento e te elimino dos meus pensamentos quando bem quero sem precisar
descongelar um coração receoso.
Sem
precisar me envolver e te envolver nessa minha mente caótica, numa vida turbulenta tão sem sal e expor minhas milhões de imperfeições ou te deixar perceber que simplismente, talvez, eu não valha a pena, afinal.
É mal de escritor... algo como ossos do ofício, eu acho. Essa coisa de inventar mundos onde o coração possa habitar sem medo.
Essa coisa de viver uma
vida dupla entre a realidade e a ficção para não precisar ter que lidar
com o redemoinho de fios elétricos entrando em curto numa mente conturbada que prefere arriscar amar só no papel.
... queria conseguir te dizer o que passa de verdade, sem toda essa enrolação.
Logo eu, que sei tão bem como brincar com as palavras não consigo expressar em
frase nenhuma que não é sobre o teu sorriso que me faz sorrir sem perceber que
hoje eu te escrevo.
Nem sobre esse teu jeito bonito de arrumar o cabelo que me tira de órbita ou a forma como tu me
parece ser transparente demais na minha presença.
Não é sobre tua mão na minha ou teu perfume barato, nem sobre teu beijo rápido
que minha boca tem saudade. Não é
sobre essa paixão bobinha, quase adolescente, que surgiu sem pretensão e virou
poesia.
Não, não é!
É sobre achar um jeito de te dizer em entrelinhas bagunçadas, disfarçadas de poema, que o que eu realmente quero é te ter sem precisar, em devaneios, ter que te inventar.