27 novembro 2019

VOCÊ É AQUILO QUE NINGUÉM VÊ

Você é o apelido carinhoso que sua mãe lhe deu na infância, os brinquedos que quebrou antes mesmo de poder aproveitar, os palavrões que xingou no mudo a professora, o aperto ansioso no peito e as mãos tremendo antes do vestibular. Você é o seu perfume favorito que está no fim, seu sonho de conhecer Berlim, Londres ou Acapulco. Sua mania de arrancar as cutículas com os dentes, seu jeito de ocupar a cama toda de madrugada. Você é seu braço embaixo do travesseiro enquanto dorme, o sorriso no rosto ao sentir o aroma da primavera e o desgosto de começar a espirrar logo em seguida. 

Você é o amor inacabado que deixou de lado e ainda lembra, o renascer depois do susto daquele quase fatal acidente. Você é aquela mania de dançar no banho e cantar para o chuveiro pensando que ninguém vai escutar, é o jeito torto de cortar legumes, a falta de sal ou o excesso de tempero naquela tentativa de receita vista na internet.

Você é o que você faz. É o violão com a corda arrebentada no canto a pegar pó depois de soltar notas desafinadas ao tentar aprender algo novo. É a dor de cabeça forte depois de horas encarando a luz da tela do seu computador. Você é o beijo que não foi dado, o arrependimento de não ter tentado. É o ar que prendeu para desacelerar o coração quando viu seu ex passar, o borbulhar do estômago numa nova paixão. É o êxtase de apreciar a natureza, a raiva de não se sentir bem em meio as pessoas.

Você é aquilo que percorre sua lembrança. A dor que ainda não cessou, a lágrima que não quer secar, a saudade da comida da mamãe, o eu te amo não dito. Você é o abraço inesperado, a força dada a alguém mesmo fraquejando, a moeda ao morador de rua, o sorriso gentil para uma criança. Você é o que você dispõe. Você é o modo como leva a vida, calmo e sem muita afobação. A coragem em se entregar sem medo, a mania de doar amor sem querer nada em troca.

Você é os gritos que ecoam no silêncio, a garganta que prende suas angústias, as palavras que não sabe como dizer. É o ódio por não ter alcançado, a sensação de incompetência por não conseguir seguir em frente, o jeito frio de levar uma briga. Você é o desprezo de uma sociedade robotizada, a raiva do partido político, a opinião sobre o mundo. Você é o conhecimento que adquiriu, o esforço contínuo em progredir, o pão fresquinho do mercado que finaliza um dia longo em companhia de um café bem quente.

Você é tudo aquilo que viu passar. É o pé de laranja-lima em frente a sua velha casa, o latido do seu cachorro, os pelos brancos do seu gato na sua calça preta. Você é aquele que caminha em direção a maturidade, aquele que rema e mesmo cansado não desiste. Aquele que enfrenta os desafios do dia forçando um sorriso no rosto e ao chegar em casa desaba sem frescura.

Você é o rosto que esconde na fotografia, o olho vermelho depois de uma noite longa. Você é aquilo pelo que luta, é o sonho despedaçado e o desejo realizado. Você é o propósito que migra aí dentro. Você é a verdade da sua história, é os direitos que tem, as obrigações que lhe escravizam, as responsabilidades que assume. Você é o que você quer, sonha, recruta, lê, reivindica, assiste, rabisca. Você é o que ninguém vê.

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